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A difícil decisão de ficar em um país em guerra

  • Foto do escritor: Paula Pereira
    Paula Pereira
  • 28 de fev. de 2022
  • 3 min de leitura

Atualizado: 1 de mar. de 2022


Cá estamos, vivendo o que eu acreditei que seria apenas uma grande ameaça. Essa ameaça agora é meu pior pesadelo e estou acordada, vendo, ouvindo e sentindo tudo. E mesmo diante de toda essa insanidade, ainda tenho que reconhecer que aqui, neste exato momento, a situação em Odessa é “menos crítica” do que em outras cidades. Mas a guerra está acontecendo aqui também, não se engane. O silêncio rege a maior parte do tempo e, de repente, é interrompido por uma eventual explosão ou pelo toque de recolher.


O risco existe, é real. E é do vulnerável apartamento no décimo andar que assisto, pela parede TODA envidraçada, como anda a situação lá fora. Fico observando o céu, tentando entender o que se passa. Da sacada com vista para o Mar Negro, meus olhos correm tentando enxergar qualquer barco ou navio.. e não há nada. E quando ouço uma explosão, meu coração bate unissonamente com parede do apatamento que vibra. É assustador sim, principalmente à noite.


Mesmo quando durante 95% do tempo pareça estar tudo quieto, o medo cresce, a insegurança amarga o pensamento e me vejo questionando o que ainda está por vir. Aquele otimismo que eu tinha se quebrou quando, no primeiro dia de guerra, ouvi cinco explosões, sendo as duas primeiras entre 5h e 6h da manhã. Achei que era o começo do fim.

E ainda estou aqui, sobrevivendo com o pouco do otimismo que me resta.

Vendo o quanto a comunidade brasileira tem se mobilizado para auxiliar os demais brasileiros a deixarem a Ucrânia, a pergunta que mais recebo é:


“Paula, vocês estão saindo?”.

A resposta é:

“Não, não estou e não estamos saindo”.

Tem sido cada vez mais difícil explicar às pessoas as razões de eu ter ficado, mas vou tentar justificar essa aparente “loucura”.


Ele não pode partir

Como a maioria talvez saiba, meu marido é ucraniano e neste momento ele não pode deixar o país - e não, não estou fazendo nenhum ato heróico ou prova de amor ao ficar... não é “só” por causa dele que fiquei. Mas claro, o fato de não termos filhos facilita a minha decisão. Se eu tivesse, eu teria partido.


A situação em Odessa

Odessa, por razões pelas quais não sei explicar, é uma cidade onde a situação ainda é “tolerável”; as sirenes não tocam o tempo todo, não há relatos de prédios habitacionais sendo atingidos e, de modo geral, o risco parece menor e o medo é mais “gerenciável”- pelo menos por enquanto. A última coisa que você quer numa situação dessas é: entrar em pânico.


Dificuldades de quem partiu

Os relatos de quem partiu também me preocupam. Nos primeiros dias da guerra, ouvi diversos relatos de pessoas desesperadas, desorientadas, cansadas, com fome, sem dormir, sentindo frio, enfrentando filas imensas, congestionamentos quilométricos e tendo às vezes que lidar com a falta de combustível no caminho. E claro, como eventualmente apareceria, até casos de racismo foram relatados, onde policiais de uma cidade ucraniana não permitiram que negros entrassem no trem a fim de priorizar seu povo.


Agora me diz, você acha que é assim tão simples ser mulher, negra, estrangeira, e sair assim, dando as costas para quem você ama, para quem você jurou passar junto todos os desafios da sua vida e ir buscar asilo em qualquer outro lugar do mundo? Um lugar desconhecido onde o trajeto pode ser árduo e solitário, para depois ficar, como qualquer pai ou qualquer mãe, com o coração “nas mãos” pensando “Será que ele está bem?” sem poder fazer ABSOLUTAMENTE NADA.


Eu sei que a família e os amigos se sentem impotentes vendo seus entes queridos num país em guerra. Mas eu não quero ser mais uma a me sentir assim: impotente; porque concordei em estar ao lado dele pelo máximo de tempo possível. Juntos, cuidamos um do outro. E ninguém aqui quer morrer. Para falar a verdade, se pudéssemos fugir juntos, teríamos fugido. Só que a situação é outra.


Não é só por amor que fico, é porque diante dos riscos, ainda me faz mais sentido ficar aqui. E se eu puder ficar até o fim desta guerra, ficarei. Quando a guerra acabar, quando for possível sairmos juntos em segurança, retornaremos ao Brasil... assim espero. Mas se a situação aqui piorar... aí partirei triste, angustiada, mas partirei e partirei sem ele. Desculpa, amor.

2 Comments


Simone Figueiredo
Simone Figueiredo
Mar 02, 2022

Oi, querida. Eu acho que você está certa. Talvez ter partido antes de estourar a guerra tivesse sido uma boa opção. Talvez até o Sergei pudesse ter ido junto, mas agora é perigoso mesmo. Eu fiquei pensando se não teria alguma cidade menor que Odessa, pra onde vocês pudessem ir, mas pelo que vc disse, Odessa inexplicavelmente não está tão ameaçada, e aí é a sua casa, é onde está a família dele, vocês estão juntos e isso dá muita força e faz toda a diferença. Penso todos os dias em você e fico torcendo para que esteja em segurança, espero que corra tudo bem e que essa guerra não dure. Beijão. Força aí!

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Paula Pereira
Paula Pereira
Mar 05, 2022
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Oi, Simone. Talvez se eu tivesse acreditado que essa barbaridade poderia mesmo acontecer, nós teríamos partido antes, mas agora é mesmo tarde demais. Obrigada pela força e pelo carinho. Esperamos em breve estar de volta ao Brasil! Um beijão!

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