Aceitar ou mudar: o amor-próprio por um fio
- Paula Pereira
- 7 de nov. de 2021
- 4 min de leitura
Atualizado: 29 de jan. de 2022

Um dente saliente, uma verruga na testa, uma mancha na perna, um nariz pontudinho. A verdade é que quando a gente nasce, a gente não escolhe nada do que vem no corpo; nem o próprio cabelo. Aceitar ou mudar? Vou torcer para que essa decisão seja inteiramente sua. Se você achar que uma correção estética também pode "arrumar" sua autoestima: mude, arrisque. Mas se optar pelo caminho da aceitação: possua, ame e chame de seu. Afinal, estamos falando daquilo que vem no SEU corpo.
Quando contei para minhas amigas ucranianas sobre a importância de eu ter posado de cabelos soltos para a sessão de fotos que fiz, elas ficaram de queixo caído. Elas não conseguiam entender como algo tão simples e natural, como o cabelo, poderia ter um significado tão profundo, pessoal. É, para mim, não se tratava apenas da estética, ao aceitar meu cabelo, eu estava me aceitando por inteira - há pessoas que ainda não entendem isso.
Eu vou contar sobre o meu cabelo, mas bem podia ser sobre qualquer coisa que, um dia, uma criança entende que "no corpo dela é: diferente". Quando esse diferente não agrada "quem o vê"; aquele que o porta fica vulnerável aos pequenos traumas que se arrastam por uma vida toda.
Fase 1: mudança
Na adolescência, me convenci/convenceram a "mudar" o que eu tinha de diferente. Acreditei que assim seria mais fácil ser aceita. Então, lá pelos quatorze anos, dei início àquela rotina que durou mais de uma década... queimando tempo, dinheiro e até o couro cabeludo. Relaxamentos químicos trimestrais e escovas quase semanais. "Deixar a raiz crescer e exibir sua forma crespa, seca, volumosa? Jamais!".
Porém, o que parecia ser "a solução para uma vida toda" foi gerando em mim uma enorme insegurança. Eu não queria mais correr da chuva que arrepiava os cabelos, nem desviar da fumaça da churrasqueira que me obrigava a lavar os cabelos antes da próxima ida ao cabeleireiro para renovar a escova. Comecei a viver em função daquele pedacinho de mim. Mas quem era eu afinal?

Aquilo que deveria ser apenas PARTE de mim, foi se tornando o TODO... porque tudo parecia girar em torno do que aquele cabelo mostrava... ou escondia.
Não bastava ser inteligente, educada, simpática ou "bem vestida". Se o cabelo não estava "bom", toda a imagem construída de mim parecia pobre, insuficiente, ordinária. Só que ser dependente daquela eterna mudança para agradar o outro começou a me fazer mal e o "peso" daquilo que era diferente em mim foi me esmagando, me anulando.
Demorou, mas aos 27 anos dei um "basta" quando decidi, por conta própria, que eu precisava saber quem eu era "de verdade" e ver se era possível EU me amar assim, da forma natural como vim ao mundo. Aí deu-se início à mais VERDADEIRA e importante aceitação.
Fase 2: aceitação
Eu queria desesperadamente me amar - queria isso mais do que "ser amada por alguém que amasse aquilo que era estéticamente tão falso em mim". E vai ver por isso desacreditei quando, tão prontamente iniciei essa jornada, o amor bateu à minha porta. Eu havia crescido com aquela ideia de que homem só gosta de mulher de cabelo liso e comprido, por isso, "ser incapaz de lançar os cabelos longos ao vento era, pra mim, "como abdicar a possibilidade de um amor à primeira-vista - "É assim que eles se apaixonam", pensava comigo.
Eu sabia que cortar a parte lisa e artifical que existia em mim resultaria em uma mulher de cabelo crespo e curto, tão curto quanto sua autoestima, mas tão forte quanto sua determinação. Talvez, por isso, quando Sergei (meu marido) mandou sua primeira mensagem pra mim dizendo "Casa comigo", eu estava CERTA de que aquilo era puro deboche, pura provocação. E eu estava tão determinada a não aceitar essa "afronta" que minha melhor resposta (interna) foi: "Quem ele pensa que é? Vai tirar onda comigo? Vou falar com ele e aí quero ver se ele vai continuar fazendo gracinha". Pois bem, como sabemos, ele não fez rs.
Encontrei o amor próprio e me deixar amar.
Esse amor próprio que nutro hoje nem sempre é tão quimicamente forte para transformar em linhas aquela visão torta que às vezes tenho de mim; mas também nunca foi tão fraco a ponto de eu querer buscar conforto nas vistas dos outros, retornando para os relaxamentos.
Ter ao meu lado alguém que me ama com meus crespinhos naturais até mesmo nos dias ruins de chuva, de fumaça e de ventania me faz sentir bem; e ter esse apoio é fundamental, porque a cobrança de que eles sejam perfeitos não é sadia, nem natural. Hoje aceito meu cabelo e me amo como sou. Se alguém não gosta, não aprova: não é mais problema meu.

Tenho certeza de que mundo afora existem milhares de crianças que carregam no corpo algo natural e diferente e que, infelizmente, se culpam por acharem que precisam fazer algo a respeito disso, eliminando o que "não é conformado" sob o olhar do outro. Não precisam; e torço para que elas se tornem adultos conscientes, de boa autoestima, capazes de decidir por conta própria o que querem para si. Que elas tenham pais, amigos e companhias que não cobrem mudanças sem antes ensinar o amor pela aceitação.
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