Guardados e aguardando
- Paula Pereira
- 14 de fev.
- 2 min de leitura
Um mero conjunto de células, um embrião, ou já posso dizer que é meu filho? Nos registros, está devidamente marcada a data de sua concepção; nem um dia a mais, nem um dia a menos. Tudo no preparo dele é feito com hora marcada: consultas, exames, hormônios, injeções e sedações. Não ouso conferir o dia exato em que ele deixou de ser só célula e passou a ser embrião, mas é sem esforços que me recordo de que já tem cerca de nove meses. E quando tiver doze? Compraremos um bolo e acenderemos uma vela em sua homenagem? Desejar o quê para quem ainda nem chorou? Fazer uma festa para ele é o desejo nosso: “Parabéns!”.
Por enquanto, congelado ele vive, e, nesse estado inglório, mantém aquecida a esperança que dentro de nós ainda não morreu. Está lá, parado no tempo do desenvolvimento, mas não se encontra sozinho. Está ao lado de sua irmã, também sem nome, fruto do mesmo sonho. Ouso pensar que os pequenos contêineres não indicam qualquer relação parental entre eles. Será que são mantidos com códigos de barra? Afinal, na clínica, nunca perguntaram se já demos nomes a eles. Também pudera, como dar nome no papel a quem ainda não nasceu?
No nosso imaginário eles são o orgulho da nossa vida, o plano mais certo que já desenvolvemos juntos. O projeto longo e detalhado custou uma parte do meu emocional e parte das nossas economias. Houve um momento em que ponderei o que era mais sensato: usar tamanho valor para realizar sonhos de troca garantida, como carro, terreno e casa; ou girar a roleta do tudo ou nada? Difícil calcular, em números, o valor simbólico do quartinho de um bebê. Eles são muito queridos, e pensamos em alguns nomes; no entanto, no cotidiano, nos referimos a eles de forma clara e sem grande afeto: “os embriões” — mecanismo de quem rejeita usar nomes diante de uma, ou duas, possíveis perdas.
Pensamos nosso futuro em função deles, contudo, ainda incertos: “Quando é a hora de usá-los?”. Será que vão mesmo um dia abrir os olhos para o mundo e levar nossos sobrenomes? E qual deles acabará sendo filho único? Ele? Ela? Não há tempo, crença nem coragem para que ambos venham ao mundo e se tornem amigos ou disputem os presentes debaixo da árvore de Natal. Nosso planejamento não era para dois e meu corpo diz que um, já seria um milagre. Triste pensar que estão armazenados juntos e que nunca segurarão a mão um do outro ou trocarão um abraço carinhoso.
Como é confuso saber que eles existem sem pisarem no chão. Que eles nos esperam sem ainda terem consciência. Teremos nós a sorte e oportunidade de acariciar os dedinhos de pelo menos um deles? Vai “vingar”? Prefiro evitar a tortura deste pensamento. Eles estão guardados e aguardando, pelo menos até o dia em que serão tudo ou nada. Mas, por enquanto, ainda são esperança - e isso nos basta.
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