Missão: masterclass de cerâmica em russo
- Paula Pereira
- 17 de nov. de 2021
- 5 min de leitura
Atualizado: 29 de jan. de 2022

Eu sabia que não podia deixar a ansiedade e a insegurança controlarem minha vida mas, quando me mudei para a Ucrânia, trouxe uma mala cheia delas; e para uma comunicadora como eu, o medo de não conseguir me expressar ou de pedir uma informação era quase paralisante. "Inglês ajuda?", você me pergunta. Ajuda, mas encontrar um profissional da área de beleza, um médico ou um taxista que fale inglês por aqui é questão de sorte ou boa indicação. Não tinha outra saída: eu tinha que aprender russo ou ucraniano, e enquanto eu não conseguisse me expressar sozinha, qualquer interação com os locais continuaria envolvendo uma boa dose de ansiedade.
"Será que o taxista vai perguntar alguma coisa (em russo)? E se ele ligar para informar que eu preciso esperá-lo em outra rua, outra esquina? Como eu vou entender?", meu coração batia mais acelerado só de pensar. Mas foi também por isso que resolvi atacar o problema e, tão logo quando cheguei à Odessa, comecei a fazer aulas de russo. "This is the way" (Este é o caminho), diria Mandalorian.
Aos poucos fui percebendo uma das vantagens de viver em um país onde o custo de vida é (para nós) mais baixo. Odessa é uma cidade grande, quase 1 milhão de habitantes, e aqui a oferta de produtos e serviços é enorme. Há curso de tudo! Entendi então que era hora de eu começar a tirar proveito dessas oportunidades.

Um belo dia, pesquisando pelo Instagram me deparei com uma masterclass de cerâmica aqui em Odessa. Aquela cena do filme Ghost logo me veio à cabeça! Não que eu idealizasse Patrick Swayze me envolvendo com seus braços fortes enquanto eu moldasse um vaso, mas acredito que aquela foi a primeira vez que vi como era feito um vaso de cerâmica. Fiquei encantada! "Talvez fosse como brincar com massinha de modelar, só que mais primal, mais envolvente e até mais divertido!". Quando assisti ao filme, eu sabia que um dia na minha vida eu teria que fazer aquilo! Mas como participar de uma masterclass de cerâmica aqui em Odessa sem falar pelo menos russo?
Era um misto de emoções: eu estava super animada com a ideia de finalmente realizar esse desejo, mas ao mesmo tempo estava pensando que pareceria irresponsável da minha parte me inscrever para uma aula onde eu possivelmente não entenderia mais do que algumas frases do que a professora falasse. "Ela vai achar que estou fazendo ela perder tempo... ou vai ver eu estarei perdendo meu tempo?", eu me questionava. Mas a minha ousadia ganhou força no conforto do meu marido que disse "Na pior das hipóteses, você copia o que ela faz. Ponto".
Me convenci de que ele estava certo. A masterclass seria uma aula particular, o que minimizava as chances de um vexame em grande escala. Fui à aula como quem parte para uma missão. "Me deseja boa sorte", eu disse ao marido enquanto saía pela porta. A corrida de meia hora de taxi para uma área mais afastada da cidade começou a me deixar um pouco tensa. O taxista, por sua vez, perguntou onde eu iria e tive a chance de dizer "Я никогда не была там" (Nunca estive lá), frase curtinha dita em russo que eu já havia memorizado para o caso de qualquer indagação.
A masterclass de cerâmica
Chegando na casa/ateliê, conheci Ksenia, minha professora naquele dia. Ela pouco falava inglês e eu pouco falava russo. Eu sentia que a havia inserido em um desafio sem a permissão dela."Será difícil pra mim, mas talvez também seja complicado para ela lecionar para alguém que não fala o mesmo idioma", pensei. Eu queria pedir desculpas pelas possíveis inconfortáveis horas que viriam a seguir, mas ela foi mais rápida do que eu e, assim que entrei no ateliê, ela me disse: "Me desculpa, meu inglês não é bom".
Uau! Aquela tensão que eu carregava no corpo atenuou e até meu coração até desacelerou! Para não perder o timing, de imediato compartilhei que o pesar era meu, pois eu é quem não falava russo. Daí em diante, a aula seguiu com muita leveza. Quando necessário fizemos mímica e consultamos o Google Tradutor; o restante foi "mãos na argila". Voltei para casa realizada e orgulhosa de mim mesma por ter "concluído a missão".
Meses mais tarde...
Oito meses se passaram quando recebi um convite de Ksenia para retornar à sua casa, para tomarmos um chá e para pintarmos dois potinhos de cerâmica que eu havia feito - sim, ela guardou os potinhos. Aceitei o convite e me dirigi à casa dela, desta vez, mais confiante, pois mesmo não sendo fluente em russo, já me sentia mais capaz de entender o que ela poderia dizer.
Ao chegar no ateliê fui recebida por uma "nova Ksenia"... que falava inglês! Puxa, como fiquei feliz de ver o quanto ela aprendeu nesses últimos meses! Hoje ela fala com muito mais segurança e desenvoltura. Não precisamos mais de mímica e o Google Tradutor nós usamos só uma vez! Mas o mais interessante foi o que nós pudemos compartilhar agora que o idioma não é mais uma barreira, mas uma ferramenta para nossa comunicação.

Ela me disse que quando fiz aquela aula com ela no início do ano, haviam se passado apenas três semanas desde que ela havia começado a estudar inglês com uma professora particular. E foi especialmente surpreendente quando ela disse que, ao receber minha mensagem demonstrando interesse na sua masterclass, ela havia ficado SUPER nervosa! Assim como eu, ela também correu para o marido para expressar sua ansiedade: "O que eu vou fazer? Como vou explicar para ela?", Ksenia perguntou para o marido. Até print na minha mensagem ela deu e enviou à professora de inglês, para que ela soubesse do desafio que estava adiante.
Perspectivas
Que bacana foi conhecer a perspectiva que ela teve deste mesmo "evento". Claro, na minha visão, só cabiam os meus medos, as minhas preocupações e, por achar que "a culpa era minha" por não falar russo, eu sequer parei para pensar que, talvez, aquela aula fosse simbólica para ela também. Olhando em retrospecto, fico imaginando a ocorrência dos fatos: enquanto de um lado da cidade eu buscava conforto e motivação nas palavras do meu marido, horas mais tarde, ao receber minha mensagem, ela fazia o mesmo, lá do outro lado.
Quantos aprendizados! Em março de 2021, ela mal falava inglês e diante dela estava sua primeira aluna estrangeira. Naquele mesmo mês, eu pouco falava russo e pela primeira vez fazia uma aula de cerâmica. Hoje, ambas sentimos a sensação de orgulho e autonomia por conseguirmos nos expressar melhor. Que continuemos aprendendo e, quem sabe um dia, poderemos fazer uma nova masterclass totalmente em russo...
Texto maravilhoso. Quanta superação de ambas as partes. Pena que ela não possa ler este texto. Que tal fazer uma versão em inglês?