"Passada" pela tecnologia
- Paula Pereira
- 2 de dez. de 2021
- 4 min de leitura

Lembro-me claramente de quando passamos a ter um computador (estilo desktop) em casa; ainda daqueles que tinha uns cinco quilos de tela, dez de processador e mais uns vinte de nobreak. Ah... há tempos não ouço alguém dizer que precisa de "um novo nobreak". Na minha época, o tal nobreak era essencial; você não ia querer que uma queda da energia desligasse seu computador enquanto escrevia o projeto da escola ou no meio do jogo que você não teve tempo de salvar. O nobreak me salvava de cada uma!
Com a mesma clareza, me recordo do meu paí aprendendo a escrever naquele computador. Ele sempre foi da máquina de datilografar e até conhecia os modelos que apagavam as últimas letrinhas - coisa moderníssima, naqueles anos 80, 90. Aposto. Para o papai, a transição para o texto virtual não foi fácil, e para mim também não. Passei horas estressada, sentada ao lado dele, pensando em formas assertivas de fazê-lo entender como criar um novo documento, inserir uma imagem e salvá-lo numa pasta. Até criei alguns pequenos manuais com desenhos feitos à mão para ele lembrar do passo-a-passo. Aquele início foi difícil.
Papai presenciou pequenos e grandes feitos deste mundo moderno... Ele viu, por exemplo, a tecnologia reduzir o tamanho do rádio e compactar a música de formas nunca vistas antes. Ele resistia com seu aparelho de vinil; enquanto a nova geração chegava com o digital. "O rádio não precisava mais de antena e nem de um par de pilhas pesadas. Havíamos chegado à "Era dos MP3 Players".
Eu ouvia relatos do meu pai, fascinado com os avanços técnológicos, e hoje me pego fazendo o mesmo. "Aspiradores de pó automáticos, aparelhos que ligam com comando de voz, luzes que ajustam cor e intensidade em pequenos controles remotos"... às vezes parece que não estou conseguindo acompanhar, porém só me dei conta disso semanas atrás, quando peguei carona com um colega de classe...
Eu não entendo muito de carros. Sempre tive carros populares; nem tão pequenos que coubessem só duas pessoas e nem tão grandes para que coubessem uma moto no porta-malas. No quesito carros, minha ousadia tecnológica era ter insulfilm, ar condicionado e um painel multimídia. Qualquer coisa além disso, e até câmbio automático, eram pra mim "coisa do futuro"!
Um belo dia...
O frio chegou aqui em Odessa. Friozinho suportável, de uns seis graus positivos, com um vento forte, desses de congelar as mãos. Foi assim que eu parti para aula de russo. Porém, naquela noite, eu ia de carona com meu colega de sala, o Burak. Saí de casa bem agasalhada: uma blusa "segunda pele", duas blusas de manga longa, um agasalho que cobria até os joelhos, capuz na cabeça e mais um lenço no pescoço. E assim toda estufada entrei no carro do Burak. Até a escola, uns trinta minutos.
Íamos conversando sobre a vida quando me dei conta de que eu devia ter exagerado na quantidade de peças que eu estava vestindo. Achei melhor remover o capuz, abrir um pouco o agasalho e afrouxar o lenço do pescoço, mas o calorzinho não passava. Eu já havia me vestido exatamente com aquela roupa antes, mas nunca havia me sentido tão "quentinha" como daquela vez. Percebi que minhas costas, em particular, pareciam estar mais quentes do que qualquer outra parte de mim. "Um pouco bizarro isso", pensei comigo.
O tempo foi passando e começou a ficar difícil ignorar o calorzinho que irradiava pelas minhas costas. Algo estava errado. Ou eu estava começando a ficar doente, ou muito louca. Um instante eu desconfiei que talvez, aquele calor, não estivesse surgindo da minha roupa, mas sim, do banco do carro. "Não! Será?!". Tive que perguntar:
"É impressão minha ou o banco do seu carro esquenta?", perguntei ao Burak como quem desafia a própria sanidade mental.
"Sim! Ele esquenta!" - e ele foi logo me mostrando o símbolo no painel do carro, que indicava que o aquecedor de banco estava ligado para aumentar o conforto da viagem.
Lembrei do meu pai, da minha infância e senti como se tivessem removido as rodinhas laterais da minha bike. "Quanta evolução! Já estamos assim, então?!". Vivo num mundo onde pessoais reais que eu conheço- e não só as da televisão- tem carros com aquecedores nos assentos! Que legal!
Vendo meu deslumbramento pela tecnologia - e provavelmente eu parecendo uma criança diante de um celular, ou meu pai diante do computador- Burak me disse para tocar no volante do carro. E adivinha?! Estava quentinho também! Oh wow! Impressionante! Aquele Cadillac não era mesmo como o meu Celtinha ou o querido FOX...
Passei a prestar mais atenção naquele carro e me dei conta de que, em outra ocasião, ele já me havia me deixado confusa. Uma noite, ao sair da aula de russo, voltei de carona com Burak pela primeira vez. Eu ainda não sabia que carro ele tinha e o acompanhei, atravessando os cruzamentos e caminhando pela calçada até chegar ao carro que estava estacionado na rua. Devíamos estar muito próximos ao carro dele quando o vi sacando a chave à mão. Um carro ligou próximo a mim e desconfiei que o motorista partiria em ré. Estranhamente, a luz de ré não acendeu e diante daquele mesmo carro Burak disse: "Pode entrar".
"Ué... estranho... é impressão minha ou quando eu entrei no carro, o motor já estava ligado?". Era muita piração pra minha cabeça. Naquela noite, não comentei nada. Mas numa segunda ocasião, já sabendo que o carro era capaz de aquecer os bancos, pude confirmar minhas suspeitas: sim, no clique de um botão, enquanto ainda se aproxima de seu carro, Burak destrava as portas, acende os faróis e já liga o motor! "Liga o motor??! Fiquei passada!". Depois alguém me explica como isso tudo funciona?!
Maravilhoso. Muito bom curtir sua experiência.