Promessa: quando a palavra perde valor
- Paula Pereira
- 3 de nov. de 2022
- 3 min de leitura

“Tu me prometeu”…
… a menina enfurecida lançou à sua mãe. De pés firmes no chão e ereta como um poste no meio do corredor do shopping, seu corpo pequeno apontava para um quiosque atrás de si. A mãe, incapaz de enfrentar o olhar de quem apontava sua culpa, respondeu “Vamos!” (como se sua autoridade fosse o suficiente para silenciar as acusações) e saiu caminhando a passos largos em direção à saída do shopping. A menina sequer se mexeu. Com a voz trêmula, ela ainda repetiu duas vezes: “Tu me prometeu!”. Quando a mãe se aproximou da porta, a menina cedeu e seguiu marchando.
De perto eu apenas observava e indagava: “Que promessa é essa que resultou numa atitude tão forte desta criança?”. Segui seu curto dedinho e encontrei o prometido causador de toda a discórdia: o sorvete. “Uau! Quanta revolta por um sorvete!”, pensei comigo. Mas talvez não fosse tanto pela sobremesa gelada, doce e colorida que refresca e depois dá sede que a menina esbravejou no corrredor como uma adulta; e sim pela promessa não cumprida (e jamais justificada) que sua mãe havia feito. Fiquei refletindo sobre aquele momento, tentando lembrar quando foi a última vez que a vida exigiu de mim um “Tu me prometeu” lançado assim, olho no olho, com tanta indignação.
Dizem que “promessa é dívida” e faz sentido, mas só para quem “prometeu”; porque para o “prometido” a promessa está mais para um investimento, pois este espera que a palavra jurada hoje sirva de troca para uma ação futura - esta é a moeda de troca. Mas de que vale a promessa que te fizeram se você não tem garantias de que elas se tornarão realidade? Promessa não vem com FGC (Fundo Garantidor de Créditos), ou seja, se a pessoa não cumprir com o que disse, nenhuma outra pessoa ou órgão vai vir compensar seus prejuízos, muito menos os sentimentais. Então o que resta ao “prometido” fazer? Apelar…
O sofredor da consequência vai apelar para sua vergonha, para sua falta de caráter e cobrar de você uma atitude que resulte na entrega do que foi prometido ou pelo menos, numa justificativa minimamente satisfatória - quem sabe, talvez, uma nova negociação? Um novo prazo? Ou a troca por outra atitude? Uma pizza à noite ao invés do sorvete? (Quem sabe?!). O apelo pode funcionar porque às vezes se paga com vergonha, com exposição ou simplesmente com a compreensão de que o relacionamento ficará comprometido para o restante da vida (a depender do tamanho da promessa). Eu sei, uma promessa do tipo “te ligo amanhã cedo” quando não concretizada pode não ser punida com severidade, mas é difícil ignorar aquela visita de aniversário que você ficou aguardando até a noite acabar, não é mesmo? Então, o que fazer?
Tem gente que não cobra a dívida, mas se lembra dela pro resto da vida: das vezes em que pagou para o amigo no restaurante quando ele sempre dizia “Na próxima eu te pago”, as vezes em que o namorado disse que ia te levar no cinema e foi jogar bola com os amigos, as tardes que os filhos deram como certo que no domingo o almoço seria na sua casa, mas simplesmente se esqueceram ou talvez o “até que a morte nos separe” que você jurava ser verdadeiro. Só que ninguém vive de dívidas, elas não acrescentam nada na sua vida e não contribuem para seu bem-estar. Então, ou você toma a atitude de cobrar o que lhe devem ou, eventualmente, você vai precisar encontrar meios de transformar aquelas dívidas em passado ou piada, antes que elas se transformem em rancor. Aliás, nada pior para um relacionamento do que uma dicussão catalisada por um baú de promessas não cumpridas, não é mesmo?
Antes que pensem que defendo que promessa deva ser levada a ferro e fogo: não defendo. As situações mudam, as pessoas mudam e aquilo que antes você tanto queria, um dia descobre que não serve mais; seja você o prometedor ou a quem foi prometido. A descoberta de uma traição pode acabar com a promessa de uma vida longa juntos, uma emergência financeira pode por fim ao prometido casamento na praia e a cobrança de fazer um salto duplo de paraquedas pode acabar impedido por medo paralisante. Acontece.
O que fica para a reflexão é: cumpra sempre que tiver condições, mas saiba negociar sempre que necessário. A cada vez que você não cumpre com sua palavra, ela vai perdendo o valor de troca, o credor sempre se lembra disso. E caso cumprir com sua palavra esteja fora de cogitação, permita um novo acordo, mesmo que tudo o que tenha a oferecer seja o lamento por não poder cumprir. Não pagar e ficar quieto é pior do que não ter a decência de negociar.
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