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Se livros fossem perfume...

  • Foto do escritor: Paula Pereira
    Paula Pereira
  • 25 de dez. de 2024
  • 4 min de leitura

Atualizado: 25 de dez. de 2024

No início da guerra, em 2022, eu havia cedido entrevistas para diferentes canais de comunicação compartilhando o dia-a-dia daquelas semanas iniciais; quando o mundo ainda olhava com atenção às notícias vindas daquele lado do mundo. Nunca fiz questão de guardar o contato daqueles jornalistas, mas também nunca apaguei as conversas que registraram nossas primeiras interações, ainda pelo Facebook. Fiz bem em não apagar. No final de 2024, prestes a lançar meu primeiro livro de crônicas, busquei meios de contar, à quantidade máxima de pessoas possível, a novidade sobre o evento de lançamento do livro.


Lá fui eu, de volta ao aplicativo, tentando encontrar cada jornalista com quem eu já havia entrado em contato. Algumas coisas chamaram minha atenção: teve jornalista que trocou de empresa, outros trocaram até de profissão. Juro. Tem um produtor de noticiário que agora vive fazendo anúncio de suplementos dietéticos e outra que perdeu o emprego ou, vai ver, também tirou um “ano sabático”. No messenger vi, inclusive, alguns jornalistas com quem eu havia me recusado a conversar, informando que a situação naquele momento era delicada e eu preferia me reservar. Pena, pois com eles, haveria mais cinco na lista de contatos, mas não me pareceu justo importuná-los sendo que não os ajudei quando eles precisaram de fontes.


Com recursos limitados para investir em divulgação, contactei os jornalistas e encaminhei, um a um, o press release com as principais informações sobre o livro e o evento de lançamento. A lista não era grande, certamente não mais que dez pessoas. “Será que eles vão responder?”, não me torturei com essa questão. Relembrei meus tempos de estágio da rádio Dummont, uma rádio de entretenimento, mas que tinha uma área da redação. Lá, às vezes, chegavam dezenas de e-mails com as mais diversas sugestões de pauta e, mais por falta de tempo do que por indelideza, não era possível responder cada um com um “Obrigada, mas não temos interesse”.


Minha expectativa era baixa e ao mesmo tempo bem realista. Quem vai se importar com o press release de um livro em um país que lê cada vez menos? Eu sabia que só um ser iluminado responderia. Para minha surpresa, o editor-chefe de um grande site de notícias respondeu. Não para dizer que ajudaria, mas para lamentar que aquela empresa já não tinha mais equipe de reportagem”. Lamentei, mas apreciei o gesto.

Não contratei assessoria de imprensa, pois não caberia no bolso desta escritora iniciante. Recordei-me, porém, que eu conhecia outra colega que, além de excelente jornalista, também escreve crônicas, compõe e canta. É comunicadora e é das artes, talvez ela possa sugerir algum caminho. Entrei em contato e ela muito gentilmente me alertou sobre a importância de entregar o material o mais mastigadinho possível aos jornalistas. “As equipes de redação estão cada vez menores e há cada vez menos tempo para apurar as notícias”. Nada disso me surpreendia, mas a voz dela era marcada por um pesar que eu, por não atuar na área há anos, era incapaz de compreender. Toda a experiência que ela compartilhou comigo, com o intuito de me ajudar e de quem entende o que é ser artista, também veio como um desabafo sofrido.


Com o jornalismo vivendo momentos de crise, fica cada vez mais difícil entender que tipo de notícia merece destaque: mais um caso de assalto? Uma suspeita de corrupção? Um assassinato? Ou o lançamento de um livro? “A editoria de cultura está virando perfumaria nas redações”, revelou minha colega. Eu entendi o que ela quis dizer: notícias de cultura estão sendo tratadas com superficialidade, como algo não relevante e, por isso, tem se tornado cada vez mais difícil encontrar meios de comunicação que não façam apenas um “copia e cola” dos releases encaminhados à redação. Perfumaria… fiquei pensando no quanto parecia curiosa a metáfora: a cultura sendo tratada com superficialidade, mesmo que tanta gente pague caro por um frasquinho de perfume. A depender do ponto de vista, a editoria de cultura ser tratada como perfumaria poderia até parecer algo positivo. Aliás, em 2024, o Brasil despontou como o segundo maior país consumidor de perfumes, o que talvez sugira vida longa às empresas como O Boticário, Natura, Avon, Jequiti, entre outras, mas quanto tempo resta à Companhia das Letras, Sextante, LPM e as demais?


Revisei meu press release e analisei aquele texto com mais afinco. Repensei o marketing que eu havia criado pra ele e vi a importância de vender mais do que a simples ideia de uma história. Preciso destacar o Chanel Nº 5 que existe nele: atemporal, feminino, universal, capaz de tocar diferentes gerações e sendo tão apreciado a ponto de ser dado de presente às pessoas mais queridas. A troca de experiência com minha colega jornalista me fez entender que preciso não descrever o óbvio sobre aquela coletânea de relatos, e sim destacar a essência da obra para que ela ganhe mais corpos e corações. Se ele tiver que ser tratado como perfumaria, que seja daquelas raras e valiosas e não apenas superficiais. Assim encerro meus desejos de que as editorias de cultura, tal como certos perfumes que se tornaram eternos, continuem marcando a vida de muitas gerações a seguir.

 
 
 

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