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Um abraço ou “nada mudou”

  • Foto do escritor: Paula Pereira
    Paula Pereira
  • 20 de out. de 2023
  • 4 min de leitura

Atualizado: 18 de abr. de 2024



Já fazia pouco mais de um ano que a gente não se falava. Não que eu tenha parado de pensar nela, afinal, a gente não simplesmente apaga da memória quem foi sua amiga por mais de vinte e quatro anos. Eu pensei nela várias vezes, mas não liguei. Lembrei dela no Natal, e sentada sozinha no quintal da casa da minha mãe, imaginei, quase que nitidamente, ela rodeada de amigas, tomando uma cerveja na praia e rindo, rindo bastante. Engraçado, a solidão parece ainda maior quando a gente imagina a pessoa de quem a gente sente saudade rodeada de outras amizades - quem sabe agora, mais relevantes.


Eu queria ter enviado uma mensagem, mas já fazia meses que a gente não trocava um “oi”, ou uma curtida por aí. Como eu ia, de repente, mandar um áudio sincero e carinhoso de Feliz Natal depois de tanto tempo sem sequer saber o que se passava na vida dela? Aliás, foi sem querer que descobri que ela nem estava mais namorando. Não muito tempo atrás, a gente compartilhava os pequenos dessabores da nossa vida privada. É, eu devia mesmo não ter mais a importância de antes, pois achei que pelo menos “num momento desses”, ela ligaria pra desabafar ou buscar conforto. Eu já não era mais essa pessoa, e nem sabia quando havia deixado de ser.


Também pensei nela no réveillon. “Ela certamente está na praia”, pensei. Eu podia vê-la fazendo aqueles drinks que ela prepara tão bem, agitando a festa com muita música e risada alta. Não liguei, e agora a situação era ainda mais desconfortável, pois eu já não havia ligado no Natal e me parecia ainda pior ter que fazer uma chamada 2 em 1: “Oi, sei que a gente não se falou esse tempo todo, mas aqui vai meu sincero Feliz Natal e Feliz Ano Novo. Estou com saudade!”. Concluí que ela certamente estaria se divertindo demais e seria bobagem minha fazê-la perder tempo com o áudio de uma amiga “distante”. Mas a verdade é que há pelo menos um ano nunca estivemos tão perto. Fazia três meses que eu estava de volta ao Brasil e a gente não tinha sequer se encontrado para trocar um abraço.


Meses depois, a saudade já nem era o sentimento que batia mais forte, era a mágoa. Eu estava magoada por sido deixada de lado quando a atenção dela teria significado tanto pra mim. Fiquei pensando nos “meus” momentos difíceis: no quanto me entristecia estar longe do meu companheiro, na dor que sentia após a cirurgia, e no quanto a guerra havia dado uma nova dimensão ao tão repetido “Estou aqui para o que você precisar”. Aquele havia sido o ano mais desafiador da minha vida e nem todas as pessoas que eu imaginei que estariam “comigo”, de fato compareceram. Com este pensamento eu estava selando o fim da nossa relação.


Além de perdermos o contato - ou será que simplesmente jogamos fora qualquer chance de tê-lo? - eu comecei a imaginar o quanto seria extremamente incômodo se nos esbarrássemos, de repente, num encontro com as outras amigas. Será que ainda correríamos para o abraço ou seria como se estivéssemos sendo apresentadas pela primeira vez? Enfim, essa oportunidade nunca aconteceu. Com o tempo ficou só o carinho e a saudade do que um dia foi tão bom. Passei a celebrar nossa amizade nas minhas memórias, mas a verdade é que nunca perdi o interesse em saber sobre ela. Sempre que encontrava alguma das amigas em comum, eu perguntava se elas tinham notícias da Gi e, de um jeito muito respeitoso, elas me informavam o essencial, buscando entender - e sem ofender - a minha decisão de “não entrar mais em contato”. Enterrei a mágoa, remanejei minhas expectativas e deixei a lembrança da nossa amizade ter o mesmo valor e intensidade que teve, até o dia em que as tempestades da vida nos levaram a diferentes oceanos. Não era bem o que eu queria, mas eu me dizia que, ao manter a distância, eu estava “me dando o devido valor”.


Na primeira semana de outubro, naquele mesmo aparelho celular onde eu e Gi trocamos nossa última mensagem cerca de um ano atrás, eu recebi a mensagem de outra amiga em comum, a Bruna. Ela me disse que Gi havia sofrido um acidente de moto, estava hospitalizada e que haviam encontrado um coágulo em sua cabeça. A situação era grave e os médicos disseram que o desfecho poderia facilmente ter sido muito pior. Eu saberia o que fazer, mesmo que Bruna não dissesse tão claramente: “Estou te contando isso porque se algo acontecesse com alguém que foi importante pra mim em algum momento da minha vida, eu gostaria de saber pra que eu pudesse fazer minhas próprias escolhas a respeito disso”. Eu sabia que tinha que deixar meus lamentos para trás e ligar pra Gi.


Não era o momento de racionalizar as dores, as mágoas, as expectativas não atendidas. Não era hora de saber quem sofreu mais, quem temeu mais pela vida, quem deixou de ligar, quem não foi visitar, quem mandou a última mensagem, quem não contou do término da relação, quem não avisou que faria uma cirurgia, quem deixaria a cidade ou mesmo o país. Nada disso importava. Peguei meu telefone, li nossa última interação e percebi que ela havia estado online há pouco tempo. Eu não sabia bem por onde começar: peço desculpas por ter sido tão orgulhosa ou digo logo que estou ciente do que aconteceu e que me preocupo com ela? Fui cautelosa e até avisei quando quis brincar com a situação. “Você não é louca de bater as botas sem me dar um abraço antes!”, eu não podia ter sido mais egoísta, mas sei que ela me entenderia. Falei o que eu queria dizer, com calma, com cuidado, torcendo pra que minha mensagem fosse bem-vinda. Prometi a mim mesma que não apagaria (ou refaria) a mensagem caso eu chorasse, caso eu gaguejasse ou ficasse sem palavras. Tinha que ser assim, de primeira. E foi.


Passados alguns minutos de apreensão ela respondeu. Me emocionei ao ouvir a voz dela e senti um peso enorme sair do peito quando ela disse que fomos estúpidas demais deixando tanto tempo passar. Por fim, ela disse: “Nada mudou”. Como pode?! Tanta coisa aconteceu; términos, hospitalizações, guerra, enchente, novos endereços, recomeços de vida e “nada mudou”… eu entendi o que ela quis dizer, e isso significou tanto quanto o abraço que nós não trocamos neste ano inteiro.

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