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Um "artista" - inconveniente - chamado "Tio Yuri"

  • Foto do escritor: Paula Pereira
    Paula Pereira
  • 26 de out. de 2021
  • 4 min de leitura

Atualizado: 29 de jan. de 2022



Saí de casa com a tarde já "planejada" em minha mente: reecontraria minha amiga Lisa, caminharíamos pelo centro de Odesa, contaria para ela sobre minha estadia no Brasil e, com certeza, faríamos uma pausa merecida para um cappuccino bem quentinho - o que nos manteria aquecidas nesses dias de sol a oito graus. Tudo certo, tudo lindo; o que a gente não contava era com a inesperada interação de um "certo artista" no nosso mundinho.


Sentadas em frente ao café Lviv Croissants, durante a pausa para o cappuccino, Lisa e eu estávamos entretidas com a troca de experiências e pontos de vista sobre como tem sido a vida no Brasil e na Ucrânia nas últimas semanas. Mas encontrar as palavras certas para se expressar começou a ficar difícil quando ouvimos um homem, já "mais pra lá do que pra cá", cantando em voz alta sentado à uma mesa próxima a nós.


Não vimos como esse homem chegou lá, mas quando notamos sua presença ele estava "acompanhado" por um pequeno grupo de pessoas (pelo menos três vezes mais jovens do que ele) e, numa espiada de olhos, notei que um rapaz o filmava com o celular. "Vai ver, ele é popular" - pensei. Timidez não parecia existir e, pela sua forma de cantar, ele não bebia cappuccino naquele momento.


Conversa vai, conversa vem e, de repente, esse homem apareceu bem ao lado da mesa onde Lisa e eu estávamos. Nem sei onde paramos a nossa conversa. Os próximos 10 minutos foram "dedicados a ele" - não que esta fosse muito a nossa vontade. Falando inglês, o tal homem se apresentou como "Дядя Юрий" (Tio Yuri).


Quem é o "tio Yuri"

O "tio Yuri" é um ex-marinheiro, "homem-livre" e pensionista deste 1989 - descrição dada por ele próprio. Fã de Ozzy Osbourne e outros artistas mundialmente reconhecidos, ele exibiu fotos suas num pequeno celular Nokia (ainda com botões) e relatou fatos de sua vida na Ucrânia: fala quatro idiomas, há cinco anos resgatou um gato de rua que é hoje, pelo visto, seu melhor amigo (o gato se chama Shere Khan - o tigre do filme Mogli) e também mostrou possui dinheiro em conta bancária mas que, por algum motivo, não pode sacar. Não ousei perguntar o motivo.


Alcoolizado, tio Yuri era o típico "simpático inconveniente". Chegou roubando o espaço da conversa, praticamente exigindo atenção para suas apresentações. Já eu, que não sou boa em ignorar os "furões", acabei interagindo, sem entender que talvez eu tivesse alimentando o senhor exatamente como que ele queria: um pouco de audiência.


"Me filma"

Yuri pediu para que eu pegasse o celular e filmasse seu "espetáculo". Então alí, à nossa frente, começou a cantar "Let it be" (Beatles, 1970). Achei a escolha maravilhosa, visto que só super fã da banda. Arrisquei a cantar baixinho, mas levei um "Shut up" ("Cale a boca) de graça. Fiquei quieta e só ousei a cantar novamente quando ele pediu para contarmos com ele o refrão.


Yuri não tinha apenas uma boa voz, mas também um "segundo truque" que aprendeu na marinha. Ele carregava consigo uma corrente de metal e disse que faria um nó na corrente usando uma mão só. Antes de apresentar o truque, talvez "para se preparar para o show", ele tomou mais um gole na garrafa que parecia ser de vodka.


E lá foi ele demonstrar... falhou na tentativa número 1, número 2, número 3 e assim por diante. A cada erro que cometia, ficava mais nervoso. E entre uma falha e outra começou a soltar palavrões. Na tentativa número 6 eu já queria interrompê-lo para dizer que não precisava se esforçar mais, que seu talento para o canto bastava- mas interromper um homem nervoso e determinado não pareceu o mais adequado. Assim ele prosseguiu com as tentativas seguintes e só foi acertar na décima quarta. Que alívio!


O preço do show

Mas "tio Yuri" não ia embora - gente inconveniente não se toca! Demonstrei a necessidade de partir: peguei minha blusa e comecei a arrumar minha bolsa. Yuri não perdeu tempo e pediu dinheiro - talvez pela sua performance, talvez devido à sua pequena aposentadoria. Eu não queria dar nada, pois só imaginei que ele juntaria uns trocados para uma nova bebida alcóolica. O único "trocado" que eu tinha era de 10 hryvnias , suficientes para ele pegar dois transportes públicos e quiçá voltar pra casa. Yuri não gostou. Exigiu mais. Eu já havia me levantado, avisei Lisa que eu iria ao banheiro e voltaria em seguida. Quando voltei Yuri já não estava mais lá e notei quando alguns jovens saíram do café se despedindo de Lisa.


"Você viu o que aconteceu?" - perguntou Lisa.
"Não vi"- respondi para ela.

O "tio Yuri" ainda insatisfeito com a doação, começou a erguer a voz para a Lisa e até jogou o dinheiro que dei a ele no chão. Lisa disse que ele não deveria ter feito aquilo e pegou o dinheiro de volta. "Antes 10 hryvnias do que nada, certo?". Então Yuri rapidamente tomou o dinheiro da mão dela. Ainda nervoso, Yuri começou a gritar e os jovens sentados à mesa ao lado, vendo Lisa coagida, resolveram tomar atitude e interromperam o Yuri alcoolizado: "Ei, por que você está gritando com ela?" e após algumas novas frases de "incentivo", Yuri saiu dalí, deixando Lisa em paz.


Um dia incomum

Encerramos o dia pensando nas situações inesperadas daquela segunda-feira. Além do "Tio Yuri", também passaram por nós uma família de ciganos com uma criança bem insolente que pedia dinheiro como quem pergunta pelas horas do dia: fria e calculadamente. A mãe da criança assistia dois passos a frente, talvez torcendo para que alguém se simpatizasse com a pequena idade de sua filha. Também nos pediu dinheiro um rapaz em plena boa forma, bem vestido e protegido com máscara. Pediu dinheiro, negamos e ele ficou alí, fazendo alguns "preciosos segundos" de pressão. O ignoramos e ele finalmente saiu. Horas mais tarde, uma senhora falante adentrou a conversa e disse um monte de qualquer coisa que até Lisa mal entendeu - algo sobre criança e sobre ser psicóloga. A mulher não pediu nada e nem pareceu eloquente. Vomitou alguma história muito louca e saiu pela rua falando sozinha. É, aquela segunda-feira foi bem incomum.



Uma das apresentações de "Tio Yuri":


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